sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

No corredor das bolachas.

Definitivamente, aquele não parecia um dia comum. A manhã transcorria calma. Entretanto existia um não-sei-o-quê de ansiedade no ar. Uma expectativa incômoda. Difícil de descrever. Superava uma inquietude, mas não atingia o grau de tormento.

No exato momento em que a sensação abrandava, notou aquela pessoa. A figura representava, de forma incontestável, o ser humano padrão. Absolutamente nada de especial. Integralmente inexpressiva. Parecia recém saída de uma linha de montagem. Instintivamente olhou à volta buscando outras semelhantes. Seria uma invasão?

A distração não permitiu o entendimento imediato da pergunta. Ah, o corredor das bolachas? O terceiro a sua direita. Os olhos não conseguiam fixar os seus. Assustados percorriam todo o salão. De pronto saiu, após a confirmação do caminho. Desapareceu do seu raio de visão, mas não da sua mente. Aquela sensação incômoda retornou. Um misto de apreensão e mal-estar. Nada de consistente, apenas uma coisa ruim.

Disfarçadamente resolveu segui-la. Seu intento foi interrompido pelo sinal da gerente conclamando a ajudá-la no setor de roupas. Na verdade não era bem uma ajuda, apenas uma instrução para separar as calcinhas por cor. Sem questionar o motivo, levou exatos três minutos na tarefa. Pronto, agora poderia descobrir o que lhe inquietava.

Apressadamente seguiu em direção ao corredor das bolachas. Apenas dois passos e chegaria. Foi quando escutou o baque surdo. Parecia que algo caía no chão. Em menos de um instante estaria lá. A cabeça começou a rodar, a visão ficou turva, a boca seca, o pulso acelerado. Já não conseguia pensar em nada. Viu colegas passarem, apressadamente. Deveria prosseguir?

Sempre fora covarde. Agora não era hora para mudar. Gradativamente o suor começou a secar, as palpitações cederam e a excitação abrandou. Calmamente retornou ao corredor das roupas íntimas. Calcinhas cor-de-rosa, azuis, brancas, salmão...

domingo, 31 de agosto de 2008

Maré.

Quando vinhas, sonhávamos.
Quando ias, o pesadelo.

Quando vinhas, gargalhávamos.
Quando ias, o pranto.

Quando vinhas, adormecíamos.
Quando ias, a vigília.

Quando vinhas, gotejávamos.
Quando ias, a aridez.

Quando vinhas, saciávamos.
Quando ias, a fome.

Quando vinhas, iluminávamos.
Quando ias, a escuridão.

Qual maré, a vida era de vindas e idas.
Agora, uma placidez de lago me cala fundo.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Passagem.

Havia uma trilha
Na ilha
Da filha
Da velha.

Que pena, ninguém passava por ali.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Despedida.

Em ti a partida,
Em mim a permanência.

Tua escolha final
Contrasta com minha reticência.

O fim de uma inconstância.
Decido pelo risco de sangue e

Saboreio a inconveniência
Que, agora, o meu corpo te trará.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Partida.

O mundo se encerrava em nós
Tu e eu.

Nada mais havia ou importava
A luz dependia de nós,
As marés nos cercavam
Indo e vindo,
Sem levar a lugar algum.

Agora eu me cerro
Só eu.
Nada mais há ou importa.
Na escuridão espero a maré,
Que me levará.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Esquecimento.

Ouço a voz que de dentro sai
E não a compreendo.
Procuro mover os pensamentos
Na direção do entendimento
E não consigo

O vazio tomou conta da memória
O vento passa célere pela cabeça
Move-se como dono
Daquilo que já foi meu.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

O eterno contínuo.

Mesmo se...

o mar secar
o céu acabar
a paz retornar e
os dias virarem noites

eu estarei aqui
a te esperar e
a te desejar.

Eterno,
Contínuo.
Só teu.