domingo, 30 de março de 2008

A dona de casa e o paraíso.

Mulher é mulher. Desde Eva até a última, nascida agora, as mulheres tem um comportamento caseiro. Sim, apesar de não estar descrito com detalhes, na Bíblia, Eva deveria ser a guardiã do paraíso. A responsável pela escolha dos suprimentos e manutenção do funcionamento daquele lar esplendoroso. Apesar de não haver trabalho com o suor do rosto, ainda, Adão deveria se ocupar com outros afazeres.

Tudo era perfeito, por quê...
Eva providenciava tudo.

A dona de casa perfeita?

No quesito cuidado com as roupas da família não havia muito a desempenhar. O Senhor os havia criado nus e eles não se envergonhavam. E com isso, ela não se cansava visto que não havia roupas sujas para tirar do chão e botar no cesto, lavar, passar e guardar nas gavetas da forma com que as mulheres modernas determinam que os maridos gostem.

Quanto à alimentação – vamos convir que não havia muita sofisticação, mas era de uma facilidade ímpar. Podiam comer o que quisessem das árvores do jardim sem ter de comprar, lavar, cozinhar, servir ou mesmo arrumar a bagunça depois. Existia apenas um fruto proibido e, justamente este foi a perdição das mulheres. A desobediência ao Senhor determinou a expulsão do paraíso e a grande maldição - a obrigação de cozinhar para o marido. Sem contar a praga de incessantemente ter de peregrinar de blog em blog em busca de novidades para a alimentação do novo senhor.

Finalmente, a criação dos filhos não se poderia dizer que foi um sucesso. Por ter mimado demais Caim, o primogênito, deu no que deu. O ciúme do outro irmão foi maior do que a boa educação dada em casa. Se é que ela existiu.

Ainda bem que o castigo de Caim foi só habitar a terra de Node, longe da sua mãe.
Vocês conseguem imaginar Eva como sogra?
Ninguém merece uma sogra primordial.
Algo assim como uma sogra tronco, capaz de se transformar em todas as sogras do mundo.

Teria sido muito castigo demais, para a pobre mulher do Caim.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Devaneios.

apago letras mortas,
de palavras moribundas
numa lápide funesta.

nas sombras escondidas
sinto veias que refluem
um sangue que não é meu.

olho o abismo denso
que separa o peito vazio
daquilo que não vivemos.

sopro uma bola
de goma de mascar
até o limite do tolerável.

E explodo com ela.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Neuro-desencontros - 2ª parte.

A gota d’água veio sobre a forma de uma romântica pergunta, comum a diversos casais que evoluem da paixão desenfreada para o amor incipiente. Lânguidos, na cama, ELE arriscou: o amor está no coração ou na cabeça? Os amantes não eruditos escolhem a melhor forma de impressionar o ser amado e derivam por respostas melosas como – no coração o qual arrancaria do peito e te daria como prova do meu amor ou na cabeça, pois a perdi quando te encontrei. Isto os amantes não eruditos.

ELA, espantada com enunciado da questão não conseguiu nem permanecer deitada de tanta emoção. ELE havia tocado no ponto crucial da sua carreira – na linha mestra a qual queria dedicar a sua vida de pesquisadora. O que é e onde se encontra o amor? Assumindo uma postura de palestrante, ELA iniciou a decodificação da sua teoria – o amor como única manifestação cinco da percepção fernesiana. Depois das primeiras frases, ainda receosas, ELA parecia transtornada. A seqüência de explicações era entrecortada apenas pela respiração sôfrega.

ELE não acreditava no que estava presenciando. A transformação fora monstruosa. Será que cabia toda aquela pompa e circunstância para uma pergunta tão simplezinha? Ainda mais numa questão tão banal – era claro que, aquilo que chamavam de amor, nada mais era do que a quebra das conexões do putamen. O afastamento eqüitativo, baseado na desproporcionalidade empírica do giro cíngulo, permitia a remodelação instantânea da atitude afetiva. As conexões com áreas inferiores distorciam as percepções visuais, olfativas e de tato dirigindo o foco, exclusivamente, para a pessoa amada. Este processo não modificava totalmente a consciência dos elementos, mas diminuía a sensação causada por ela. Para os amantes, as outras pessoas não passavam a ser, propriamente, feias apenas deixavam de ser desejadas como objeto. Os desejos passavam a ser dirigidos para qualidades ou mesmo para os defeitos da pessoa amada. Um bloqueio seletivo de vias. Simples, assim.

Desta vez o embate prometia. Não havia nenhum ponto de concordância entre eles. Não nesta questão. A questão da sede do amor suplantara o próprio.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Neuro-desencontros - 1ª parte

Ah, o amor. Como é lindo o amor. Um sentimento para ser vivenciado. Uma emoção pura. Que mexe com a alma e dispensa explicações. Dispensa explicações? Para quase todas as pessoas, sim. Mas toda a regra sempre tem exceção . Eles eram as exceções. Em pessoa. Provavelmente alguma distorção relacionada com as escolhas profissionais.

Maria Eduarda era psicóloga, de formação. Doutorada em neuro-linguística aplicada às relações humanas, na Universidade Católica de Louven. Uma vida dedicada aos distúrbios da afetividade, com ênfase na dispraxognosia elementar de Fernès. Carlos Renato era médico, de formação. Pós-doutorado em neurofisiologia hipocampal pela UCLA. Interesse especial no comprometimento da neurotransmissão reflexa induzida pela privação de sono e seus efeitos na neurogênese diencefálica.

Aparentemente um par perfeito. Interesses comuns. Formação e nível intelectual suficientemente semelhantes para manter uma conversação. Ou uma discussão. Os primeiros desentendimentos surgirão ainda na fase de paixão. Carlos Renato, doravante indicado como ELE entendia que a paixão era uma descarga sináptica gabaérgica não relacionada a um local específico. Uma espécie de estado comicial brando. Já Maria Eduarda, denominada de agora em diante como ELA afirmava que, independente dos mecanismos fisiológicos, a paixão era um componente psíquico derivado de id primitivo com remodelamento neurosensorial perceptivo ajustado a uma escala quatro de Fernés. Como a paixão era mais forte que o próprio entendimento a querela não foi para frente. As noites quentes eram preenchidas com a volúpia da própria paixão. Naquele tempo, eram.

Já a questão da amizade e seus laços afetivos proporcionaram um debate mais acalorado. ELE não aceitava a visão simplista comportamental que ELA alegava, enquanto ELA apelou para o deboche do esquema de vias sinérgicas do sistema límbico desenhada por ELE. Chegaram inclusive a levantar a idéia de selecionar um mediador para a questão. O aborto espontâneo interrompeu o embate.

terça-feira, 11 de março de 2008

Lamento de inverno.


A camada fina de neve só atrapalhava. Não servia para nada. Nem para diversão. Ninguém conseguiria transformá-la em bonecos. Nem mesmo em bolas para guerra entre crianças. Só para vingança, sob a forma do desejo de que um desafeto escorregasse e quebrasse uma perna. Olhando através da janela quebrada, aquela sensação incômoda voltava. Estes pensamentos de ódio tomavam conta dela, de vez em quando. Nos últimos tempos, de vez em sempre. Apesar da falta de familiaridade, essa faceta vil do seu caráter não lhe era desagradável. Tinha quase um sabor de desforra. De todo aquele tempo em que fora a bondade em pessoa. E o que ganhara em troca? Nem era bom lembrar. Sem querer se pegava desejando as maiores infelicidades. Para todos os conhecidos e desconhecidos. Seria um para-efeito da quimioterapia?

sábado, 8 de março de 2008

Estava o velho no seu lugar...

Sem ter aranhas, ratos e a infinidade de outras situações para me fazerem mal, eu permaneço no meu lugar. Como não sei fiar, pelo menos os fios de tecido, eu decido reinterpretar a antiga brincadeira infantil, com fios de palavras e inventar estórias.

Estava o velho no seu lugar, ninguém veio lhe fazer mal. O velho e a mente, e a mente a fiar. A fiar estórias e contos de não sei onde. Parte de fatos verídicos, que necessitam ou merecem uma nova roupagem, e parte de pura invenção – um elogio à loucura.

Algumas podem não ter nexo, meio ou fim. Outras podem ter duração quase infinita. Não haverá compromisso com nenhum fio condutor. Apenas com a imaginação. Desde o início se aceita encomenda. Não por falta de inspiração, vilania ou necessidade, mas sim como interação com os leitores. Se eles vierem.

Levantem a lona.

O circo está montado!